É carnaval

Dentre todas as cores disponíveis, o azul-céu chamou sua atenção, talvez pelo reflexo do sol, talvez pelo cetim brilhoso ou os paetês presos à saia. O fato foi que seus olhos brilharam e suas pernas caminharam na direção dela antes mesmo que se desse conta do que dizer. Para sua sorte, o riso da moça era frouxo e na metade do percurso ele já havia ganhado a simpatia necessária para não desistir.

A conversa foi ao pé do ouvido, desculpa do som alto, e seu conteúdo só é conhecido pelos anjos que presenciaram o nascimento de outro amor. O beijo não demorou muito para sair e foi motivo de comemoração entre os amigos dos dois lados da rua. Timidamente, as mãos se aconchegaram uma na outra. Dançaram uma, duas, muitas músicas. Conversaram um pouco mais e beijaram mais ainda.

A moça até agora não decidiu se foi a barba ou a camisa dos meninos de Liverpool, mas tem certeza que o fato de usarem tênis iguais foi um sinal do destino. Tantas coisas parecidas em dois velhos conhecidos de trinta minutos atrás, quem não cometeria o mesmo erro?!

Passaram a manhã cantando com os demais companheiros, devotos da folia. Entre beijos e risadas, acreditaram por um instante que haviam encontrado o verdadeiro amor. Engano corrigido pelos alto-falantes que anunciavam o fim de mais um bloco. Pegos pela surpresa do inconveniente trataram de trocar os números de telefone e juraram se ligar no dia seguinte, já que um pegaria o metrô para Copacabana e o outro seguiria a pé em direção ao Centro.

Confesso não saber dos registros telefônicos do casal que se entregou para a paixão em plena Glória na segunda-feira de carnaval, sei que até a quarta de cinzas muito confete e serpentina hão de rolar e muitos amores ainda poderão surgir. Momentos e histórias perfeitas que duram uma marchinha completa. Fantasias que nos transformam em fadas, bailarinas e borboletas, cada uma com um novo coração, todas prontas para viver um novo amor, tão breve quanto a sombra no caminho de volta ao convento, subindo as ladeiras de Santa Tereza, como manda a tradição carioca na terça.

Ah o carnaval e suas magias instantâneas, seus amores ligeiros, reparador, senão de corações, ao menos de reputação. Carnaval, aquela pausa entre o seu papel de trouxa e a sofrência eventual diária. Aquela oportunidade de usar a máscara de quem se quer ser ou a tranquilidade de ser quem se é. A festa da carne antes da purificação, o último pecado. Hoje não tem julgamento, já que até os reis saíram às ruas de sunga e tenho certeza que vi deuses greco-romanos em alguma esquina. Por isso, e por tudo mais, permita-se e, não me leve a mal, hoje é carnaval.