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Opinião Slide

ESCOLA SEM PARTIDO

21 de julho de 2016
Para a estreia da coluna Opinião, eu trouxe um assunto bem atual e polêmico, o Projeto de Lei do Senado nº 193 de 2016, mais conhecido como Programa Escola Sem Partido, que tem causado um rebuliço nas redes sociais entre profissionais da educação, estudantes e partidaristas de esquerda e direita. Mas o que é exatamente esse programa? Em meio a falta de informação e a disseminação de informações fabricadas, vamos juntos entender do que se trata e quais os possíveis desdobramentos desse projeto de lei.

  • O que é?Trata-se de um projeto de lei que visa incorporar às diretrizes e bases da educação nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) o Programa Escola sem Partido. Ou seja, estão sendo apresentados novos argumentos à uma lei que já existe desde 1996. O projeto completo encontra-se na internet e está disponível para o acesso de todos. Apesar dos termos rebuscados e algumas palavras fora do uso comum, o texto que compõe o PL é de fácil assimilação. Foi redigido pelo Senador Magno Malta (PR), que também é pastor evangélico e cantor. 
  • Motivo:Segundo o autor, durante anos, professores, profissionais da educação e autores de material didático estão doutrinando, de forma política e ideológica, seus alunos, fazendo com que adotem determinadas correntes de pensamento, divergentes das ensinadas pelos pais e responsáveis. Principalmente à questão sexual e religiosa. Segundo o senador: 

“Entendemos que é necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas, e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.” (p.5) 

O documento explicita uma violação de direitos, e liberdades fundamentais dos estudantes e seus responsáveis, quando insinua que um professor possa se aproveitar de sua audiência cativa para disseminar seus próprios pensamentos ideológicos e políticos. O senador sugere que “não há liberdade de expressão no exercício da função docente”. Em poucas palavras, o professor deixa de ser alguém com bagagem histórica, emocional e cultural, para ser apenas um canal de informação concernente à sua disciplina, uma vez que suas opiniões podem influenciar de forma direta crianças e jovens.

  • Mas você sabe o que é política? Se a sua resposta envolve partidos, governos, estados, leis, administração… bem, você então não sabe o que realmente é política e isso pode fazer você ter uma visão incompleta do que o texto da PL 193 se refere. Para Aristóteles, o homem é um ser racional e político. Racional por podermos qualificar e quantificar nossas ações, diferentes dos demais animais, e político por uma condição da vida em sociedade. Ou seja, para o filósofo, as interações humanas são todas políticas. A relação que você tem com sua família, com o funcionário do mercado, com seus colegas de turma, seus professores, tios, internautas… todas são relações políticas intrínsecas ao relacionamento humano, sem elas seriam apenas comandos reproduzidos e sem nenhuma personalidade. 

Abrangendo esse conceito, não existe escola sem partido, porque não existe homem sem política. Você é uma pessoa dotada de cultura, história, conceito, crença e opinião. Qualquer decisão ou pensamento seu foi formado baseado nessas experiências. A forma como você enxerga o mundo é fundamentada nos conceitos que você tomou para si. Assim como eu, como o senador e todos os outros.

Há uma diferença, que não é nenhum pouco tênue como o documento faz parecer, entre contextualizar sua disciplina e doutrinar um pensamento. Veja você: estudar capitanias hereditárias é um conteúdo do primeiro segmento do fundamental, mas quando se está no primeiro ano do ensino médio e se estuda geograficamente o Brasil, podemos perceber a ligação direta de conteúdo. Eu não preciso ser de esquerda ou ter uma filiação partidária, para mostrar ao meu aluno que o problema hoje, da má distribuição de terra, vem desde o momento em que Portugal dividiu e doou nossas terras para quem pagasse mais. Para um profissional qualificado, claramente, isso é um fato que deve ser, não só exemplificado, como problematizado.

Quando um docente entrar em aula e usar do magistério para propagar um discurso partidarista, ele está exercendo abuso de poder, assim como também, quando ele debocha ou inferioriza a turma pelo conhecimento adquirido por ele. Quando não ministra as aulas, quando exige um esforço sobre-humano nas avaliações e em tantas outras situações. Assim, como em qualquer outra função e todos sabemos reconhecer quando ocorre. Para isso, não são necessárias leis especificas em cada ofício. Afinal quem nunca ouviu falar na famosa carteirada? Ou do acusado que virou ministro?

No segundo artigo, uma palavra chama atenção de forma convidativa: neutralidade. Num primeiro momento, a ideia de que não haverá lados é sedutora. Não poderemos escolher o azul ou o amarelo e isso fará com que você escolha qual realmente lhe agrada. Pergunto: não seria melhor mostrar os aspectos do arco-íris e, aí sim, deixar a escolha livre? Não mostrar lados pode ser tão ruim quanto apresentar apenas um. O conhecimento é a única coisa que não pode ser tomada de alguém.

Porém nem tudo está perdido. No mesmo artigo é citado o “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico” e isso deveria ser hino. Isso promove o debate. Apenas o debate pode mudar alguma coisa no mundo. Quando ideias são confrontadas, nós saímos da zona de conforto e somos obrigados a buscar mais conhecimento. Infelizmente, essa pluralidade entra em choque com alguns conceitos escondidos no texto, que frisa muito a questão da liberdade religiosa. Pergunto: para todas as religiões? O aluno adepto da umbanda poderá frequentar a escola com suas guias e turbantes? A moça islâmica poderá usar o véu? Ou isso é para uma classe cristã, como a do autor da PL 193?

“Direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções”. Passaremos a ter escolas específicas como no antigo EUA, onde haviam escolas para brancos e negros, aqui teremos escolas para cada credo religioso? Escolas hétero e homossexuais? Para mulheres autossuficientes e para as que escolherem ser do lar? E quem possuir princípios distintos da família? Cadê a tal pluralidade? Não seria melhor, para o bem comum, que todos aprendêssemos a conviver com as diferenças desde o início? Ou vamos ter empregos separados por ideologias também?

De todos os pontos negativos até aqui, o pior, na minha opinião é o parágrafo único do segundo artigo, onde lê-se:

“O Poder Público não se imiscuirá na opção sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero.”

Trocando em miúdos, de nada tem valia os avanços que a classe LGBT tem conseguido. Meninos são aqueles que possuem pênis e meninas são as demais. Se já não bastasse a polarização generalizada do país, ainda temos que voltar a reprimir crianças que não se sintam confortáveis com seus corpos por acreditar que isso influencie o colega de turma. Na educação física será futebol para os meninos e queimado para as meninas, porque futebol não é coisa de mulher. Cadê a pluralidade?

Fora o fato que a lei deverá ser fixada de forma bem visível, como um lembrete de que tem alguém vigiando o tempo todo. Isso se assemelha muito com um período triste da nossa história onde haviam alunos infiltrados avaliando o conteúdo ensinado, chama-se ditadura militar. Ou seja, acabamos com o debate na neutralidade, fortificamos as diferenças e esperamos que todos fiquem calados.

Ao meu ver, o projeto e as 15 justificativas alegadas querem dizer a mesma coisa de formas diferentes e possuem intenções veladas para a formação de uma geração alienada, radical e separatista. Tudo sob o pretexto que o Senador Magno Malta nomeia de “abuso da liberdade de ensinar”.

Atualmente o texto se encontra nesse link, onde o senado também realiza uma consulta pública sobre o tema.Não deixe de manifestar sua opinião, aqui nos comentários e lá no site com o seu voto.


Lembrem-se, o debate é necessário! Por não discutirmos futebol, política e religião é que chagamos onde estamos e não sabemos onde vamos parar. Então, trocar ideia de forma sadia e estar aberto a compreender o lado do outro são premissas básicas de qualquer diálogo. Não serão aceitos comentários ofensivos ou de caráter agressivo à sexualidade, raça ou credo de qualquer participante.

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6 Comments

  • Reply
    Unknown
    22 de julho de 2016 at 00:13

    Muito bom o texto Luciana! O que é triste é a gente ver que vários municípios e estados já estão tocando os projetos nas suas casas legislativas. E muitas vezes sem o devido debate sobre o tema. Mas como sempre sou otimista, acho que a lei a nível nacional não vai ser aprovada. Beijo. 😉

    ass: @cleitonmidia

  • Reply
    Bruno Cardoso
    22 de julho de 2016 at 01:38

    Antes de mais nada, obrigado por esse texto maravilhoso, que me fez compreender de forma simples e inteligente toda essa problemática em volta das escolas sem partido.
    Como eu já havia contado em privado, achei a forma como você abordou o texto completamente genial, com ênfase nos exemplos das religiões e "opção" sexual citadas na lei.
    Eu temo pelo futuro do nosso país, e as vezes me vejo incapacitado diante de tanto problema que anda rolando. É muito difícil de abraçar e militar por tudo. Em um momento, estamos revoltados pelo fim do ministério da cultura, depois sabemos dessas "escolas sem partido", além de cortes de orçamento em programas sociais, descaso contínuo com a população (ameaça de ataque terrorista conta?).

    No final das contas, são tantas coisas acontecendo e nós, não conseguimos nos mobilizar para lutar por nenhuma delas. Entretanto, o debate é sempre o primeiro passo para despertar nas pessoas a consciência de que tem algo errado, então, parabéns pelo post e iniciativa. <3

  • Reply
    Lethycia Dias
    22 de julho de 2016 at 19:02

    Que post maravilhoso! Você está de parabéns por ter decidido abordar esse assunto no seu blog, quando muitos blogueiros se limitam a ficar apenas na zona de conforto, sem comentar sobre aquilo que é importante para a sociedade.
    Fui lendo com cautela, achando que seria um post em defesa do projeto, mas logo percebi que você estava fazendo críticas muito consistentes e justificadas, com as quais concordo.
    Esse projeto de lei é só mais uma forma de tentar impedir o debate pluralista nas escolas. Impedir crianças e adolescentes recebam ensinamentos adequado sobre, impedir que professores falem sobre a diversidade sexual e de gênero, que professoras ensinem as meninas a se empoderar e os meninos a respeitá-las. Impedir que um professor diga aos seus alunos que toda religião merece espaço, aceitação e respeito, e não só a dele… Enfim. Foi a forma que os políticos mais preconceituosos e criminosos do país arranjaram para garantir que os jovens não tenham o senso crítico necessário para questionar as contradições, injustiças e desigualdades do Brasil.
    Você falou uma boa parte do que eu pensava, e adorei ter encontrado esse post. Continue com essa coluna, você começou muito bem, e vai fazer uma diferença enorme comentando assuntos como esse!

  • Reply
    Rebeca Stiago Cestari
    23 de julho de 2016 at 19:27

    Luu, voltei de férias. =) E fiquei muito feliz por você trazer temas assim para debate no seu blog. Acredito que não existe certo ou errado, mas devemos ter bom sendo com tudo. Pra vida em geral ne? Mas enfim, acho que devemos questionar o que está sendo ensinado e como. E depois ver como podemos melhorar. Porém, acho muito delicado sermos radicais. Enfim, o assunto é delicado, mas como você mesma falou, é necessário debater. Só assim andamos pra frente. Parabéns pelo post. Beijos

  • Reply
    Unknown
    25 de julho de 2016 at 13:54

    Oi Lu, tudo bem? Eu confesso não estar totalmente por dentro ainda desse projeto, mas preciso ler na íntegra o quanto antes possível. Do que li, acredito que isso é retroceder em todos os esforços conquistados até agora. Eu conheço um professor daqui que saiu de uma escola onde, provavelmente ele ganhava muito bem por ser particular, porque simplesmente ele tinha um roteiro do que falar ou não na sala de aula, porque é uma escola bem tradicional. Imaginei isso para pior no caso da Escola sem Partido. Nessa escola, para você ter noção eles proibiram que as meninas tomassem a vacina de HPV, porque poderia ferir a moral e incentivar às relações sexuais.
    Eu gostei muito da parte em que você diz ''“Direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções”. Passaremos a ter escolas específicas como no antigo EUA, onde haviam escolas para brancos e negros, aqui teremos escolas para cada credo religioso? Escolas hétero e homossexuais? Para mulheres autossuficientes e para as que escolherem ser do lar? E quem possuir princípios distintos da família? Cadê a tal pluralidade? Não seria melhor, para o bem comum, que todos aprendêssemos a conviver com as diferenças desde o início? Ou vamos ter empregos separados por ideologias também?'' É por não ensinarmos a lidar com as diferenças que temos um mundo tão intolerante. Um exemplo claro em que respeitar as diferenças só beneficia a todos é o Canadá, onde o primeiro ministro subiu a bandeira LGBT deixando claro seu respeito por essas pessoas. E deixando claro o respeito que o país como um todo também deve a eles.
    Eu preciso ler mais do projeto para continuar opinando, mesmo já acreditando que continuarei com a mesma opinião. Espero que isso não passe! Acho um retrocesso tamanho…
    Meu comentário sairá sem nome pois não estou logada em conta do google, mas é a Thaís do Janela de Sorrisos.
    Um beijo!
    http://www.janeladesorrisos.com

  • Reply
    Ciana Andrade
    6 de agosto de 2016 at 21:37

    Excelente post e muito enriquecedor. Eu particularmente não gosto de discutir política, ainda mais que sou servidora pública e venho sido engolida pela massa sórdida da politicagem.
    Eu acho que os políticos deveriam se preocupar com outras questões, mas no fundo querem sim, que se formem alienados. Eu não gostar de discutir política não significa que sou uma alienada, agora existem muitas coisas que acontecem nas escolas e eles não proíbem porque lhes convém.
    Empregos em troca de votos, concursados massacrados pelos comissionados do alto escalão, e o professor não tem o direito de expôr, querem regular. Eles não querem que mostrem a verdade, querem a doutrina escolhida que lhes convém.

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